quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A VOZ DO SILÊNCIO-Helena Petrovna Blavatsky-Troaduzida por Fernando Pessoa.





 
A VOZ DO SILÊNCIO
Helena Petrovna Blavatsky
(Traduzido por Fernando Pessoa)

PREFÁCIO
(Da tradução inglesa)
            As páginas seguintes são extraídas do Livro dos Preceitos de Ouro, uma das obras lidas pelos estudiosos do misticismo no Oriente. O seu conhecimento é obrigatório naquela escola cujos ensinamentos são aceitos por muitos teosofistas. Por isso, como sei de cor muitos destes preceitos, o trabalho de traduzi-los foi para mim fácil tarefa.
            É bem sabido que na Índia os métodos de desenvolvimento psíquico divergem segundo os Gurus (professores ou mestres), não só porque eles pertencem a diferentes escolas filosóficas, das quais há seis, mas também porque cada Guru tem o seu sistema, que em geral mantém cuidadosamente secreto. Mas, para além dos Himalaias, não há diferença de métodos nas escolas esotéricas, a não ser que o Guru seja simplesmente um Lama, pouco mais sabendo do que aqueles a quem ensina.
            A obra, de onde são os trechos que traduzo, forma parte da mesma série de onde são tiradas as estrofes do Livro de Dzyan sobre que A Doutrina Secreta se baseia. Juntamente com a obra mística chamada Paramartha, a qual segundo nos diz a lenda de Nagarjuna, foi ditada ao grande Arhat pelos Nagas ou serpentes - nome dado aos antigos iniciados - o Livro dos Preceitos Áureos invoca a mesma origem. As suas máximas e conceitos, porém, por nobres e originais que sejam, encontram-se muitas vezes, sob formas diversas, em obras sânscritas, tais como o Jnaneshevari, esse soberbo tratado místico em que Krishna descreve a Arjuna, em cores brilhantes, a condição dum iogue plenamente iluminado; e ainda em certos Upanishads. Isto, afinal, é naturalíssimo, visto que quase todos, senão todos, os maiores Arhats, os primeiros seguidores do Gautama Buda, foram hindus e árias, e não mongóis, sobretudo aqueles que emigraram para o Tibete. As obras deixadas apenas por Aryasanghas são, por si só, numerosíssimas.
            Os preceitos originais estão gravados sobre lâminas oblongas delgadas; as cópias, muitas vezes, sobre discos. Estes discos ou chapas são geralmente conservados nos altares dos templos ligados aos centros onde estão estabelecidas as chamadas escolas "contemplativas" ou Mahayana (Yogacharya). Estão escritos de diversas maneiras, às vezes no idioma tibetano, mas principalmente em idéografos. A língua sacerdotal (senzar), além de por um alfabeto seu, pode ser traduzida em várias maneiras de escrita em caracteres cifrados, que têm mais de ideogramas do que de sílabas. Um outro método (lug, em tibetano) é o de empregar os números e as cores, cada um dos quais corresponde a uma letra do alfabeto tibetano (trinta letras simples e setenta e quatro compostas), formando assim um alfabeto criptográfico completo. Quando se empregam os idéografos há uma maneira certa de ler o texto, pois, neste caso, os símbolos e os sinais usados na astrologia, isto é, os doze animais zodíacos e as sete cores primárias, cada uma tripla em seu matiz (claro, primário e escruro), representam as trinta e três letras do alfabeto simples, formando palavras e orações. Porque, neste método, os doze animais, cinco vezes repetidos e juntos aos cinco elementos e às sete cores, compõem um alfabeto completo de de setenta letras sagradas e doze signos. Um signo posto no princípio de um parágrafo indica se o leitor tem de soletrar segundo o modo índio (em que cada palavra é apenas uma adaptação, sânscrita), ou segundo o princípio chinês de ler os ideógrafos. O método mais fácil é, porém, aquele que não deixa o leitor empregar qualquer língua especial, ou o que quiser, visto que os sinais e os símbolos eram, como os números ou algarismos arábicos, propriedade comum e internacional entre os místicos iniciados e os seus seguidores. A mesma peculiaridade é característica de uma das maneiras chinesas de escrever, que pode ser lida com igual facilidade por qualquer pessoa conhecedora dos caracteres: por exemplo, um japonês pode lê-la na sua língua tão prontamente como um chinês na sua.
            O Livro dos Preceitos Áureos - alguns dos quais são pré-budísticos, ao passo que outros pertencem a um época posterior - contém uns noventa pequenos tratados distintos. Destes aprendi de cor, há muitos anos, trinta e nove. Para traduzir os outros, teria de me referir a apontamentos dispersos entre um número de papéis e notas, representando um estudo de 20 anos e nunca postos em ordem, demasiado grande para que a tarefa fosse fácil. Nem poderiam ser, todos, traduzidos e dados a um mundo por demais egoísta e atado aos objetos dos sentidos, para que pudesse estar preparado a receber, com a devida atitude do espírito, uma moral tão elevada. Porque, a não ser que um homem se entregue perseverantemente ao culto do conhecimento de si próprio, nunca poderá de bom grado dar ouvidos a conselhos desta natureza.
            E, contudo, esta moral enche tomos e tomos da literatura oriental, sobretudo nos Upanishads. "Mata todo o desejo de viver" - diz Krishna a Arjuna. Esse desejo mora apenas no corpo, veículo do ser encarnado, e não na própria Individualidade, que é "eterna, indestrutível, que não mata nem é mortal".) "Mata a sensação", ensina o Sutta Nipata; "olha do mesmo modo para o prazer e para a dor, para o ganho e para a perda, para a vitória e para a derrota". E ainda "busca abrigo só no eterno" (ibid.) "Destrói o sentido da existência separada" - repete Krishna de variadas maneiras. "O Espírito (Manas), que segue os sentidos vagabundos torna a alma (Budhi) tão inerte como o barco que o vento arrasa sobre as águas" (Bhagavad Gita, II 67).
            Por isso se julgou melhor fazer uma escolha judiciosa só entre aqueles tratados que mais sirvam aos poucos verdadeiro místicos que há na Sociedade Teosófica, e que com certeza se ajustem às suas necessidades. Só esses compreenderão estas palavras de Krishna-Christos, a Personalidade Superior.
            "Sábios, não choreis nem pelos vivos nem pelos mortos. Nunca deixei de existir, nem vós, nem estes reis dos homens; nem no futuro deixará qualquer um de nós de existir" (Bhagavad Gita, II 11-12).


PRIMEIRO FRAGMENTO

A VOZ DO SILÊNCIO


            Estas instruções são para aqueles que não conhecem os perigos dos Iddhi (1) inferiores.
            Aquele que quiser ouvir a voz de Nada (2), o Som sem som, e compreendê-la, terá de aprender a natureza do Dharana (3).
            Tendo-se tornado indiferente aos objetos da percepção, deve o aluno procurar o Raja dos sentidos, o produtor de pensamentos, aquele que acorda a ilusão.
            A Mente é a grande assassina do Real.
            Que o discípulo mate o assassino.
            Porque quando para si mesmo a sua própria forma parece irreal, como o parecem, ao acordar, todas as formas que ele vê em sonhos; quando deixar de ouvir os muitos, poderá divisar o Um - o som interior que mata o exterior.
            Então, e só então, abandonará ele a região de Asat, o falso, para chegar ao reino de Sat, o verdadeiro.
            Antes que a Alma possa ver, deve ser conseguida a harmonia interior, e os olhos da carne tornados cegos a toda a ilusão.
            Antes que a Alma possa ouvir, a imagem (o homem) tem de se tornar surda aos rugi­dos como aos segredos, aos gritos dos elefantes em fúria como ao sussurro prateado do pirilampo de ouro.
            Antes que a Alma possa compreender e recordar, ela deve primeiro unir-se ao Falador Silencioso, como a forma que é dada ao barro se uniu primeiro ao espírito do escultor.
            Porque então a Alma ouvirá e poderá recordar-se.
            E então ao ouvido interior falará
    

A Voz do Silêncio
            e dirá:
            Se a tua Alma sorri ao banhar-se ao sol da tua vida; se a tua Alma canta dentro da sua crisálida de carne e de matéria; se a tua Alma chora dentro do seu castelo de ilusão; se a tua Alma se esforça por quebrar o fio de prata que a liga ao Mestre (4); sabe, ó discípulo, que a tua Alma é da terra.
            Quando ao tumulto do mundo a tua Alma (5) que desabrocha dá ouvidos; quando à voz clamorosa da grande ilusão (6) a tua Alma responde; quando se assusta ao ver as lágrimas quentes da dor, quando a ensurdecem os gemidos da angústia, quando a Alma se retira, como a tartaruga tímida, para dentro da concha da personalidade, sabe, ó discípulo, que do seu Deus silencioso a tua Alma é um sacrário indigno.
            Quando, já mais forte, a tua Alma vai saindo do seu retiro seguro; quando, deixando o sacrário protetor, estende o seu fio de prata e avança; quando, ao contemplar a sua imagem nas ondas do espaço, ela murmura, “Isto sou eu” - declara, ó discípulo, que a tua Al­ma está presa nas teias da ilusão (7).
            Esta terra, discípulo, é a sala da tristeza, onde existem, pelo caminho das duras provações, armadilhas para prender o teu Eu na ilusão chamada “a grande heresia” (8).
            Esta terra, ó discípulo ignaro, não é senão a triste entrada para aquele crepúsculo que precede o vale da verdadeira luz - essa luz que nenhum vento pode apagar, e que arde sem óleo nem pavio.
 
        Diz a grande Lei: “Para te tornares o conhecedor da Personalidade Total (9), tens primeiro de conhecer a Personalidade”. Para chegares ao conhecimento dessa Personalidade, tens de abandonar a personalidade à não-personalidade, o ser ao não-ser, e poderás então repousar entre as asas da Grande Ave. Sim, suave é o descanso entre as asas daquilo que não nasce, nem morre, mas é o AUM (10) através de eras eternas (11).
            Cavalga a Ave da Vida, se queres saber (12).
            Abandona a tua vida, se queres viver (13).
            Três salas, ó cansado peregrino, conduzem ao fim dos trabalhos. Três salas, ó conquista­dor de Mara, te trarão através de três estados (14) até ao quarto (15), e daí até aos sete mundos (16), os mundos do descanso eterno.
            Se queres saber os seus nomes, escuta-os e aprende-os.
            O nome da primeira sala é Ignorância - Avidya. É a sala em que viste a luz, em que vives e hás de morrer (17).
            O nome da segunda sala é a Sala da Aprendizagem (18). Nela a tua Alma encontrará as flores da vida, mas debaixo de cada flor uma serpente enrolada (19).
            O nome da terceira sala é Sabedoria, para além da qual se estende o mar sem praias de Akshara, a fonte indestrutível da onisciência (20) .
            Se queres atravessar seguramente a primeira sala, que o teu espírito não tome os fogos da luxúria que ali ardem pela luz do sol da vida.
            Se queres atravessar seguramente a segunda, não pares a aspirar o perfume das suas flores embriagantes. Se queres ver-te livre das peias cármicas, não procures o teu Guru nessas regiões mayávicas.
            Os sábios não se demoram nas regiões de prazer dos sentidos.
            Os sábios não dão ouvidos às vozes musicais da ilusão.
            Procura aquele, que te dará o ser (21), na Sala da Sabedoria, a sala que está para além, onde todas as sombras são desconhecidas e onde a luz da verdade brilha como uma glória imorredoura.
            Aquilo que é incriado está dentro de ti, discípulo, assim como está naquela sala. Se queres possuí-lo, e unir as duas coisas, tens de despir os teus negros trajes de ilusão. Abafa a voz da carne, não deixes que qual­quer imagem dos sentidos se entreponha entre a sua luz e a tua, para que assim as duas se fundam em uma. E, tendo aprendido a tua Ajnana (22), abandona a Sala da Aprendizagem. Essa sala é perigosa pela sua beleza pérfida, e só é precisa para a tua provação. Acautela-te Lanu, não vá a tua Alma, entontecida pelo brilho ilusório, demorar-se e enredar-se na sua luz enganadora.
            Esta luz brilha na jóia do grande enganador (Mara) (23). Enfeitiça os sentidos, cega o espírito e deixa o descuidado naufragado e sozinho.
            A borboleta atraída para a chama da tua lâmpada noturna está condenada a ficar mor­ta no azeite. A alma incauta, que não pode defrontar-se com o demônio escarninho da ilusão, voltará ao mundo escrava de Mara.
            Olha as hostes das Almas. Vê como elas pairam sobre o mar tempestuoso da vida humana, e como, exaustas, sangrando, de asas quebradas, caem, uma após outra, nas ondas encapeladas. Batidas pelos ventos ferozes, perseguidas pelos vendavais, são arrastadas para os sorvedouros e somem-se pelo primeiro grande vértice que encontram.
            Se, passando pela Sala da Sabedoria, queres chegar ao vale da felicidade, fecha, discípulo, os teus sentidos à grande e cruel heresia da separação, que te afasta dos outros.
            Que aquilo que em ti é de origem divina não se separe, engolfando-se no mar de Maya (24), do Pai Universal (a Alma), mas que o Poder de Fogo (25) se retire para a câmara interior, a câmara do coração (26), e o domicílio da Mãe do Mundo (27).
            Então do coração esse poder subirá até à sexta região, à região média, ao lugar entre os teus olhos, quando se toma a respiração da Alma-Única, a voz que enche tudo, a voz do seu Mestre.
            É só então que te podes tornar um “que anda nos céus” (28), que pisa os ventos por cima das ondas, cujo passo não toca nas águas.
            Antes que ponhas o pé sobre o degrau superior da escada, da escada dos sons místicos, tens de ouvir de sete maneiras a voz do teu Deus interior (29).
            A primeira é como a voz suave do rouxinol cantando à sua companheira uma canção de despedida.
            A segunda vem como o som de um címbalo de prata dos Dhyanis, acordando as es­trelas lucilantes.
            A terceira é como o lamento melodioso de um espírito do oceano prisioneiro na sua concha.
            E a esta segue-se o canto da vina (30).
            A quinta, como o som de uma flauta de bambu, grita aos teus ouvidos.
            Muda depois para um clamor de trompa.
            A última vibra como o rumor surdo de uma nuvem de trovoada.
            A sétima absorve todos os outros sons. Eles morrem, e não tornam a ouvir-se.
            Quando os seis (31) estão mortos e postos aos pés do mestre, então se entrega o aluno no Único (32), se torna esse Único e nele vive.
 
            Antes que possas entrar para esse caminho, tens de destruir o teu corpo lunar (33), e limpar o teu corpo mental (34), assim como o teu coração.
            As águas puras da vida eterna, límpidas e cristalinas, não podem misturar-se com as torrentes lamacentas da tempestade de monção.
            O orvalho do céu brilhando ao primeiro raio do sol no coração do lótus, quando cai na terra torna-se uma, gota de lama; vede como a pérola se tornou uma porção de lodo.
            Luta com os teus pensamentos desonestos antes que eles te dominem. Trata-os como eles te querem tratar, porque, se os poupas, criarão raízes e crescerão, e repara, esses pensamentos dominar-te-ão até que te matem. Acautela-te, discípulo, não deixes aproximar-se mesmo a sua sombra. Porque ela crescerá, aumentará em tamanho e poder, e então essa coisa escura observará o teu ser antes que te apercebas da presença do monstro hediondo e negro.
            Antes que o poder místico (35) te possa fazer um Deus, Lanu, deves ter adquirido a faculdade de matar, quando quiseres, a tua forma lunar.
            A pessoa da matéria e a Pessoa do Espírito nunca se podem encontrar. Uma delas tem de desaparecer; não há lugar para ambas.
            Antes que a mente da tua Alma possa compreender, deve a flor da personalidade ser esmagada em botão, e o verme dos sentidos destruído até não poder ressurgir.
            Não podes caminhar no Caminho enquanto não te tornares, tu próprio, esse Caminho (36).
            Que a tua Alma dê ouvidos a todo o grito de dor como a flor de lótus abre o seu seio para beber o sol matutino.
            Que o sol feroz não seque uma única lágrima de dor antes que a tenhas limpado dos olhos de quem sofre.
            Que cada lágrima humana escaldante caia no teu coração e aí fique; nem nunca a tires enquanto durar a dor que a produziu.
            Estas lágrimas, ó tu de coração tão compassivo, são os rios que irrigam os campos da caridade imortal. É neste terreno que cresce a flor noturna de Buda (37), mais difícil de achar, mais rara de ver, do que a flor da árvore Vogay. É a semente da libertação do renascer. Ela isola o Arhat tanto da luta como da lu­xúria, leva-o através dos campos do ser para a paz e a felicidade que só se conhecem na terra do silêncio e do não-ser.
            Mata o desejo; mas se o matares, cuida bem em que ele não renasça da morte.
            Mata o amor da vida; mas se matares Tanha (38), que isso não seja pela ânsia da vida eterna, mas para substituir o evanescente pelo eterno.
            Não desejes nada. Não te indignes contra o Carma, nem contra as leis imutáveis da natureza. Mas luta apenas com o pessoal, o transitório, o evanescente e o que tem de perecer.
            Auxilia a natureza e trabalha com ela; e a natureza ter-te-á por um dos seus criadores, obedecendo-te.
            E ela abrirá de par em par diante de ti as portas das suas câmaras secretas, desnudará ao teu ornar os tesouros ocultos nas profundezas do seu seio virgem. Impoluída pela mão da matéria, ela revela os seus tesouros apenas aos olhos do Espírito - os olhos que nunca se fecham, os olhos para os quais não há véu em todos os seus remos.
            Então ela te mostrará o meio e a senda, a primeira porta, e a segunda, e a terceira, até à própria sétima porta. E então a meta, para além da qual estão, banhadas pelo sol do Espírito, glórias indizíveis, que só o olhar da Alma pode ver.
            Há só uma senda até ao Caminho; só chegado bem ao fim se pode ouvir a Voz do Silêncio. A escada pela qual o candidato sobe é formada por degraus de sofrimento e de dor; estes só podem ser calados pela voz da virtude. Ai de ti, pois, discípulo, se há um único vício que não abandonaste; porque então a escada abaterá e far-te-á cair; a sua base assenta no lodo fundo dos teus pecados e defeitos, e antes que possas tentar atravessar esse largo abismo de matéria, tens de lavar os teus pés nas águas da renúncia. Acautela-te, não vás pousar um pé ainda sujo no primeiro degrau da escada. Ai daquele que ousa poluir um degrau com seus pés lamacentos. A lama vil e viscosa secará, tornar-se-á pegajosa, e acabara por colar-lhe o pé ao degrau; e, como uma ave presa no visco do caçador sutil, ele será afastado de todo o progresso ulterior. Os seus vícios tomarão forma e puxá-lo-ão para baixo. Os seus pecados erguerão a voz, como o riso e soluço do chacal depois do sol se por; os seus pensamentos tornar-se-ão um exército e levá-lo-ão consigo, como um escravo cativo.
            Mata os teus desejos, Lanu; torna os teus vícios impotentes, até dares o primeiro passo na jornada solene.
            Estrangula os teus pecados, torna-os mudos para sempre, antes que ergas um pé para subir a escada.
            Faze calar os teus pensamentos e concentra toda a tua atenção sobre o teu Mestre, que tu por enquanto não vês, mas sentes.
            Funde num só sentido todos os teus sentidos, se queres tomar-te seguro contra o inimigo. É só por aquele sentido que está oculto no vácuo do teu cérebro, que o caminho íngreme que conduz ao teu Mestre se pode revelar aos olhos indecisos da tua, Alma.
            Longa e fatigante é a senda ante ti, ó discípulo. Um único pensamento a respeito do passado que abandonaste puxar-te-á para baixo, e terás novamente de começar a ascensão.
            Mata em ti toda a recordação de experiências passadas. Não te voltes para trás ou estás perdido.
            Não creias que a luxúria pode alguma vez ser morta se é satisfeita ou saciada, porque isso é uma abominação inspirada por Mara.
            É alimentando o vício que ele se expande e torna forte, como o verme que se alimenta no seio da flor.
            A rosa tem de tornar a ser o botão, nascido da sua haste paterna, antes que o para­sita lhe tenha roído o seio e bebido a seiva da sua vida.
            A árvore dourada dá flores de jóia, antes que o seu tronco esteja gasto pela tormenta.
            O aluno tem de tornar ao estado de infância que perdeu antes que o primeiro som lhe possa soar ao ouvido.
            A luz do único Mestre, a única, eterna, luz dourada do Espírito, derrama os seus raios fulgurantes sobre o discípulo desde o princípio. Os seus raios atravessam as nuvens espessas e pesadas da matéria.
            Ora aqui, ora ali, esses raios iluminam-na, como os raios do sol iluminam a terra através das espessas folhas da floresta. Mas, ó discípulo, a não ser que a carne seja passiva, a cabeça lúcida, a Alma firme e pura como um diamante que cintila, o fulgor não chegará à câmara, a sua luz do sol não aquecerá o coração, nem os sons místicos das alturas akashicas (39) chegarão ao ouvido, por atento que ele esteja, no estágio inicial.
            A não ser que ouças, não poderás ver.
            A não ser que vejas, não poderás ouvir. Ouvir e ver, eis o segundo estágio.
........................................................
            Quando o discípulo vê e ouve, e quando cheira e gosta, com os olhos fechados, os ouvidos fechados, tapados o nariz e a, boca; quando os quatro sentidos se fundem e estão prontos a tornar-se o quinto, aquele do tato interior - então passou ele para o quarto estágio.
            E no quinto, á matador dos teus pensamentos, todos estes têm de ser outra vez mortos até não ser possível reanimarem-se (40).
            Retira a tua mente de todos os objetos externos, de todas as vistas externas. Retira as imagens internas, para que não lancem uma sombra negra sobre a luz da tua Alma.
            Estás agora em Dharana (41), o sexto estágio.
            Quando tiveres passado para o sétimo, ó bem-aventurado, não mais verás os Três sagrados (42), porque te terás, tu próprio, tornado esses Três. Tu próprio e a mente, como gêmeos sobre uma linha, a estrela que é o teu guia brilha por cima, nas alturas (43). Os Três que moram na glória e na felicidade inefáveis, agora perderam os seus nomes no mundo de Maya. Tornaram-se uma só estrela, o fogo que arde mas não queima, o fogo que é o Upadhi (44) da chama.
            E isto, ó iogue do sucesso, é aquilo a que os homens chamam Dhyana (45), o verdadeiro precursor do Samadhi (46).
            E agora a tua personalidade está perdida na Personalidade, tu para contigo próprio imerso naquela Personalidade de onde primeiro irradiaste.
            Onde está a tua individualidade, Lanu, onde está o próprio Lanu? É a fagulha perdida no meio do fogo, a gota dentro do oceano, o raio de luz sempre presente tornado o Todo e o fulgor eterno.
            E agora, Lanu, tu és o agente e a testemunha, o que irradia e a irradiação, a luz no som, e o som na luz.
            Conheces, ó bem-aventurado, os cinco impedimentos. Tu és o seu conquistador, o mestre do sexto, libertador dos quatro modos da verdade (47) - A luz que cai sobre eles brilha de ti, à tu que foste discípulo, mas agora és professor.
            ­E destes modos da verdade:
            Não atravessaste tu o conhecimento de toda a dor - primeira verdade?
            Não venceste tu o rei dos Maras em Tsi, a porta da reunião (48) - segunda verdade?
            Não destruíste tu o pecado à terceira por­ta, atingindo a terceira verdade?
            Não entraste tu para Tau, o caminho que leva ao conhecimento (49) a quarta verdade?
            E agora, descansa sob a árvore de Bodhi, que é a perfeição de todo o conhecimento, porque, sabe-o, és possuidor de Samadhi - o estado da visão infalível.
            Vê! tornaste-te a luz, tornaste-te o som, és o teu Mestre e o teu Deus. Tu próprio és o objeto da tua busca: a voz sem falha, que ressoa através de eternidades, isenta de mudança, isenta de pecado, os sete sons em um,


A Voz do Silêncio.

Om Tat Sat.

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